terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Drogas e presidentes

Recentemente, Fernando Henrique Cardoso, reunido com outros ex-presidentes do continente, propôs a reabertura da discussão sobre a legalização ou descriminalização das drogas. Salvo engano, FHC fumou e não tragou, como Clinton. Já o Obama, parece que tragou e, li outro dia, até cheirou. E chegou onde chegou... Bem mais longe do que o ex-fallecido Collor que pegava mais pesado: não só preferia drogas das mais pesadas como, segundo o falecido e X9 irmão, também unia o útil ao que o agradava e usava a droga administrada como supositório, talvez para preservar seu bem dotado nariz, ou então por afinidade ou gosto! Seu reinado não podia dar certo mesmo, e era muito estranho ver aquele avião do seu cúmplice PC Farias, o “Morcego Negro”, entrando e saindo do país carregado sabe-se lá de que... Incomodou tanto que até os mais de 300 picaretas citados à época pelo atual presidente Lula resolveram acabar com a(s) festa(s) na casa da Dinda.

Mas a verdade é que a discussão é bem-vinda. E como tudo tem dois lados, pelo menos, as argumentações de ambos, defensores e detratores, são justificáveis. Teoricamente, a grana fabulosa que o tráfico movimenta deixaria de servir à corrupção e à compra de armas, podendo ser usada pelos equipamentos de saúde no tratamento dos usuários. Diversos estudos feitos onde houve a descriminalização mostram que não houve aumento do consumo. Minha sensação é de que poder comprar um baseadinho na farmácia vai dar um ar menos grave ao uso das drogas e, por outro lado, quem conhece algum dependente químico sem recursos para se tratar sabe que, sem muito dinheiro, o sujeito está condenado ao sofrimento crônico ou somente largará o vício se o substituir por uma fé cega dessas forjadas nas igrejas neo-pentecostais. Com a descriminalização, esses recursos poderiam ser usados no tratamento dos doentes. Mas, conhecendo nosso país, nossos políticos, sabemos que tudo pode acontecer com o dinheiro público. Imaginem se o imposto arrecadado com as drogas, em vez de ir para os cofres do Ministério da Saúde, for deslocado para cobrir o rombo da Previdência. Ou mesmo, se for para a Saúde, imaginem o dinheiro sendo realocado em cirurgias de alta complexidade, como transplantes ou procedimentos sofisticados que atenderiam especialmente a uma elite privilegiada que tivesse acesso a eles... Indo parar nas meias e cuecas de deputados... Outra questão preocupante é a situação dos policiais. Como farão os nossos mal pagos homens da lei, que já se acostumaram com os recursos da corrupção advindos? E os verdadeiros grandes traficantes, residentes na orla da zona sul do Rio de Janeiro, com casas de veraneio no sul da Bahia e a mixaria nas ilhas Cayman, como resistirão?

Há várias questões a serem respondidas: mas o que não pode realmente continuar é esse processo de entupimento cada vez maior de nossos tribunais e cadeias, ambos já superlotados, com pessoas doentes ou que usam drogas recreativamente, como tantos ex-presidentes da nossa e de outras repúblicas já o fizeram.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Ladeira dos Tabajaras

Passei a virada do ano na casa do Zeca. Zeca é meu amigo de séculos atrás. Coração generoso como poucos que conheço. Ele é um homem magrinho, que se revelou enorme na paternidade terna e eterna que vive com seus dois filhos, agora já adultos. Descobriu, desde que o Daniel nasceu, que filho pertence a uma categoria à parte. E assim, vem vivendo sua vida simples exercitando cotidianamente o dever e o prazer da criação.
Ele me chamou pra ver os fogos da sua laje. De lá, disse-me ele, "dá pra ver tudo... "
Eu já passara dois reveillons na favela, quando namorava a Vera, ainda com 16, 17 anos. Era outro morro, o Chapéu Mangueira, e eram outros tempos também. Na época, os bandidos, a gente sabia quem eram, as bocas, a gente sabia onde ficavam, mas as pessoas que moravam na favela eram as donas do morro. Faziam suas festas sem medo, a não ser das enchentes e das remoções. Temia-se que o Lacerda, governador na época, mandasse tacar fogo no morro, como - dizia-se - fizera em outras favelas. Tudo na surdina, da mesma forma que mandava matar os mendigos e jogar no rio da Guarda... As pessoas eram felizes, apesar de todas as dificuldades que enfrentavam. Lembro que ainda havia lavadeiras que pegavam roupas sujas nas casas das madames e levavam pra lavar no morro. Punham as roupas pra quarar nas pedras e depois as penduravam em intermináveis e coloridos varais. Lá, havia o sol que nos apartamentos faltava. Algumas roupas eram passadas, outras eram entregues sem passar mesmo. Em algumas casas não havia água encanada, então as mulheres subiam com enormes latas cheias de água equilibradas na cabeça... Tinha um paninho que elas enrolavam e punham na cabeça pra acomodar os latões em cima. Aí, subiam as escadas mexendo o corpo suavemente, de um lado pro outro, num rebolado característico que mantinha o pescoço estável pra não derramar muita água. Lá de cima do Chapéu Mangueira também dava pra ver o mar. Era uma vista linda e o frescor do mar chegava suavemente o tempo todo, com o seu cheirinho inconfundível. Sinto saudade dessa maresia, da vista deslumbrante, do primeiro amor...
Da laje do Zeca a vista é um pouco menor, mas dá pra ver muito do marzão de Copacabana, a ilha Rasa com seu farol e as Cagarras. E esse ano, todos tínhamos motivo pra comemorar: a favela voltara a ser deles, moradores. No alto da ladeira, o caveirão era a imagem mais impactante da presença da polícia. Mas, ao contrário de outros tempos, em que ele subia a ladeira tocando canções sinistras, que assustavam crianças e adultos, ele ali estava parado, somente como um sinal de que a polícia estava de olho. Não mais em todos, bandidos e moradores. Estava ali pra garantir que os donos do pedaço eram os que ali moravam. Como a Madá, mãe do Zeca, 80 anos de trabalho e luta, uma mulher magrinha, pequenina, mas forte o bastante pra criar aquele monte de filho, todos pessoas do bem. O morro agora é novamente dela, que mora ali desde novinha, é do Zeca, de suas irmãs Alice e Marcia, que ali nasceram e iam pegar água na mina que havia do lado do cemitério. Mina que secou, depois que construiram um monte de casas praquele lado, mas que era onde eles quando crianças pegavam água pra Madá lavar as roupas. E na laje do Zeca, onde agora não tem mais bandido, eu atravessei o ano e cheguei em 2010. Feliz, vivi a alegria de todos que moram ali, mirando o horizonte iluminado pelas múltiplas cores dos fogos. E acordei no novo ano com o olhar verde de esperança.