terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

É ético ou só é um tico

O artigo abaixo não traz muitas novidades, mas tem uma fala muito curiosa que me fez pensar sobre o que é um tiquinho:
Para Inez Gadelha, coordenadora do departamento de atenção especializada do Ministério da Saúde, "o ideal não existe". "É muito difícil não ter conflito. Uma coisa eventual, um jantar, uma viagem, não compromete. A questão é o grande conflito."Queria que essa doutora Inez me respondesse a partir de quantos reais, um funcionário do Ministério considera-se subornado? Um real, cem reais, mil, dez mil??? Quanto que um médico precisa receber de um laboratório para estar comprometido com este?
Seria o caso, talvez, de o Ministério dizer que não precisa usar a camisinha se o cara colocar só a cabecinha... Afinal, quanto vale uma coisa eventual, um jantar, uma viagem?...
Por falar nisso, quem vai de uma estatina aí? Pra ter mialgias, aumento de transaminases, etc... Afinal, se o colesterol estiver num nível em que o uso da estatina seja recomendada pelo Ministério, sai de graça...
Daqui a 30 anos vão descobrir que as estatinas NÃO PODEM SER USADAS INDISCRIMINADAMENTE como o querem os laboratórios. E muita gente vai ter morrido por isso, com a gente pagando os medicamentos e as pensões do falecidos! 

Médicos ligados à indústria ditam regras de conduta
No país, profissionais em conflito de interesse assinam diretrizes para tratamentos
Conselho Federal de Medicina reconhece a situação "conflituosa", mas diz que não há qualquer restrição legal
Médicos brasileiros responsáveis por elaborar diretrizes clínicas possuem conflitos de interesse com os laboratórios farmacêuticos.
Diretrizes são orientações que padronizam a conduta para determinada doença. Feitos por entidades profissionais, esses documentos definem, por exemplo, qual a taxa de colesterol ou o nível de pressão arterial aceitáveis e quais as classes de remédios que devem ser usadas no tratamento dos pacientes.
A Folha pesquisou 11 diretrizes de algumas doenças -hipertensão, obesidade, hepatites B e C, diabetes, artrite reumatoide, tromboembolismo venoso, disfunção erétil, artrose e climatério.
Dos 111 profissionais que fizeram o documento sobre hipertensão, 63 (56,7%) declararam que, nos últimos três anos, fizeram estudos, receberam ajuda, deram palestras ou escreveram textos científicos patrocinados por laboratórios. Dois deles têm também ações da indústria.
A situação se repete na diretriz sobre climatério e doenças cardiovasculares. Dos 33 médicos que a assinam, 16 (48,5%) são patrocinados pela indústria. Dois têm ações de laboratórios.
Na diretriz de disfunção erétil, todos os cinco médicos têm conflitos de interesse.
A questão é polêmica, embora não seja ilegal. Nos EUA, há um movimento médico crescente que considera inaceitável esse tipo de conflito. Apontam que, ao terem ligação com a indústria, os médicos podem favorecê-la prescrevendo mais remédios, minimizando os riscos das drogas ou distorcendo dados sobre a eficácia delas.
O CFM reconhece a situação "conflituosa", mas diz que não há hoje nenhuma restrição que médicos ligados a indústria participem de consensos. "Não tínhamos pensado nisso, mas é preciso rever essa situação. É difícil adotar diretrizes com pessoas comprometidas com a indústria. Pode perder a credibilidade", afirma Roberto D'Ávila, presidente do CFM.
O médico Wanderley Marques Bernardo, coordenador do "Projeto Diretrizes", da AMB (Associação Médica Brasileira), afirma que a diretriz segue uma metodologia rígida e que é baseada em fortes evidências científicas.
Segundo ele, há um grupo isento que faz uma revisão final. "Se houver ainda algum problema ou interesse, seja ele deliberado ou não, a gente corrige", diz ele.
O cardiologista Jadelson de Andrade, coordenador das diretrizes da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia), argumenta que médicos de ponta geralmente são chamados pela indústria para participar de estudos e dar consultorias ou palestras.
Para ele, o ideal seria que o governo destinasse uma verba para a produção de diretrizes clínicas formuladas por pessoas isentas de conflitos.
Para Inez Gadelha, coordenadora do departamento de atenção especializada do Ministério da Saúde, "o ideal não existe". "É muito difícil não ter conflito. Uma coisa eventual, um jantar, uma viagem, não compromete. A questão é o grande conflito."
Protocolo sobre colesterol gera controvérsia
Há uma polêmica em curso no Brasil sobre como tratar pacientes com índices elevados de colesterol no sangue (dislipidemias).
O ministério está elaborando um novo documento, mas não consultou a Sociedade Brasileira de Cardiologia, que já tem uma diretriz pronta sobre o tema.
Os cardiologistas dizem que, seguindo as novas recomendações do ministério, o SUS estará tratando mal os pacientes.
Um dos problemas seria o ministério considerar o nível ótimo do LDL (colesterol ruim) como inferior a 100 mg/ dL (miligramas por decilitro de sangue).
A SBC preconiza um nível ótimo muito mais baixo, inferior a 70, segundo Jadelson de Andrade, coordenador das diretrizes da SBC.
Os cardiologistas também discordam de o ministério não incluir no documento a dislipidemia de base genética (hipercolesterolemia familiar), em que há tendência a altos níveis de colesterol, independentemente da dieta ou exercício.
A proposta da SBC é que pacientes com o problema recebam a medicação gratuitamente no SUS, em razão do alto risco de eventos cardiovasculares.
Inez Gadelha, do Ministério da Saúde, afirma que o ministério consultou as melhores bibliotecas virtuais, como a Cochrane e a Pubmed, para elaborar o protocolo e que não é praxe ouvir as sociedades médicas na fase inicial do documento.
Ela afirma que a SBC apresentou contribuições durante a fase de consulta pública, que terminou no mês passado, "Assim como todas as demais apresentadas, essas contribuições serão analisadas e avaliadas, com base em critérios técnico-científicos."
Segundo Gadelha, o grupo técnico que elabora o protocolo assina um termo de confidencialidade para que não sejam assediados ou sofram interferências na elaboração do documento.
E a coordenação do grupo técnico, que faz o julgamento final dos trabalhos, é isenta de conflitos.
"Profissionais patrocinados podem distorcer informações sobre drogas"
Médicos que recebem recursos da indústria farmacêutica ou de equipamentos podem exagerar na prevalência ou na importância de doenças, minimizar os riscos e distorcer dados sobre a eficácia das drogas. É a opinião da médica Adriane Fugh-Berman, professora da Georgetown University Medical Center, em Washington, considerada uma das maiores autoridades mundiais em conflitos éticos entre médicos e a indústria farmacêutica. Em um dos últimos artigos que publicou, em setembro do ano passado, ela mostrou que uma farmacêutica multinacional plantou sistematicamente artigos favoráveis a seus medicamentos em periódicos científicos. Adriane dirige o "PharmedOut", um programa de educação e pesquisa sobre a influência da indústria na prescrição médica. A seguir trechos da entrevista à Folha. (CC)
Folha - É aceitável que médicos responsáveis por diretrizes clínicas tenham conflitos de interesse com a indústria, ainda que declarados? Adriane Fugh-Berman - Isso não deveria acontecer. Diretrizes clínicas devem depender da ciência, e as análises em casos em que a ciência não é clara devem ser feitas por pessoas imparciais, não por aquelas que têm conflitos de interesse.
Qual é o principal problema desses conflitos?
Ele garante que as metas do marketing das empresas farmacêuticas sejam cumpridas. Os médicos pagos pela indústria representam o interesse da indústria, estejam eles conscientes disso ou não. Podem exagerar na prevalência ou na importância das doenças, expandir classificações de doenças, minimizar os problemas de segurança e não dar importância a terapias não-farmacológicas, como dieta e exercícios.
Qual é o impacto para o paciente?
Diretrizes são poderosos determinantes para os médicos. Elas deveriam ser elaboradas pelos defensores da saúde pública, não por médicos pagos pela indústria.
É possível elaborar diretrizes com 100% de isenção?
Sim! Os médicos pagos pela indústria farmacêutica são transportados para um mundo de oportunidades que distorcem o discurso da medicina. Há muitos médicos acadêmicos que não têm relações com a indústria.
Conflito de interesses?
Ninguém está livre da influência de processos inconscientes nas decisões
Médicos, a exemplo de juízes e do pessoal do TCU, gostam de defender-se de insinuações de conflito de interesses apelando para a razão.
Com efeito, nenhum profissional de saúde em seu juízo perfeito receitaria uma droga sabidamente pior só porque recebeu um brinde do laboratório que a fabrica. Ainda que os médicos desprezassem solenemente seus clientes, não teriam nenhum interesse em arriscar suas reputações por um badulaque.
Ocorre que médicos, como juízes e o pessoal do TCU, são seres humanos. E seres humanos, como demonstrou o neurologista António Damásio, são incapazes até de pensar sem mobilizar emoções e outras manifestações do cérebro primitivo, as quais influenciam sutilmente decisões que julgamos racionais.
Tal fenômeno ocorre pelas mais insuspeitas vias. Uma das formas pelas quais seres humanos entram em sincronia é através de discretas imitações de linguagem e expressões faciais. Um experimento de 2003 de Rick van Baaren mostrou que garçonetes que reproduzem palavras e trejeitos de fregueses obtêm mais gorjetas.
Médicos, é claro, não são uma exceção. Uma metanálise clássica publicada em 2000 no "Jama" concluiu que a distribuição de brindes, amostras grátis, refeições e subvenções para viagens têm indiscutível efeito.
Pagar uma viagem para um profissional aumenta entre 4,5 e 10 vezes a chance de ele receitar as drogas produzidas pela patrocinadora. Efeitos semelhantes foram medidos para cada uma das interações mais comuns entre médicos e indústria. Esse marketing ativo é tão eficiente que se estima que as farmacêuticas a ele dediquem até 30% de seus orçamentos.
Esse e outros efeitos dos processos inconscientes sobre a mente racional são tantos e tão poderosos que parte dos neurocientistas hoje sustenta que o livre arbítrio não passa de uma ilusão.  (HÉLIO SCHWARTSMAN - Folha de S.Paulo)
(CLÁUDIA COLLUCCI - Folha de S.Paulo) 3 FEV 2011