quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A menina do avesso


Ela desde cedo aprendera a brincar de oposto.
Ninguém lhe ensinara,
foi sendo um menino que descobriu.
Daí que seguiu sendo sempre o outro lado.
Então conseguia ver as cores que havia escondidas
e os sons que não eram cantados.
Foi crescendo e começou a se desvestir pra ir pra rua:
mostrava sua nudez só pra brincar com os desejos
pois sabia que o que lhe era de dentro
ninguém teria.
Guardado pela castidade imposta
e pela honra desolada
seu coração o tempo todo brincava,
assim como rebola a lagarta
por necessidade ou facilidade.
E ela seguia pisando nos cacos que construía
pois que era só quebrando que ela sabia.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O frio, o Fred e o avesso


Saindo à rua, do dentista, peguei uma daquelas transversais à praia que nessa época do ano uivam de vento gelado. O vento vindo do mar tem um cheiro diferente e um frio mais forte. Úmido, ele é penetrante e também pesado. Como a água e o sal, ele tende a descer.
Logo que pude dobrei numa esquina, menos por necessidade quanto aos meus objetivos imediatos (queria comer um churrasquinho antes de ir pra casa) e mais pela proteção que as paredes dos prédios me poderiam trazer.
A diferença era enorme: depois da curva, a calmaria quase abafada, sufocava um pouco, oprimindo a respiração. Cheguei na dona Maria, a tia, como a chamo. A churrasqueira aquecia o entorno. Pedi pra me fazer um mal passado, desejei tomar uma cerveja, mas reprimi o desejo, pensando que tenho bebido muito, que seria legal só beber agora na quinta-feira, dia de jogo...
Cheguei falando sobre o mole que o Fluminense deu contra o Figueirense e ela falou empolgada do Fred, que não jogou, o que ela desconhecia. Ela é tricolor como tantas mulheres são flamengo e não sabem quem é a bola. Mas ela falou do Fred de um jeito que revelava tesão: “ele não é bonito, mas tem um ‘tchan’... as pernas dele são lindas!”; Apontei uma dona bonitona que entrava na lavanderia em frente e comentei que ela era posuda, mas devia ser muito chato conviver com todo aquele monumento. Ela era fake, apesar de alta, se equilibrava em cima de mais uns dez centímetros de salto... Pra mim era demais. Mas a tia falou que ela era um tipão! Questão de gosto, falei...
Pensei em como estou ficando cada vez mais encantado por uma mulher que mal conheço...  nossas conversas de se conhecer às avessas... E afinal, o avesso, o que significa?
É tão somente o que está não revelado, ou o lado de dentro, ou o contrário?
Meu sono está quase me vencendo, vou ter que parar, vou sonhar com o avesso do avesso dela...

sábado, 25 de agosto de 2012

Alguns eus meus


Eu falara pra ela que sou vários. Quantos, me perguntei depois? Médico e louco já estavam na pré-lista. Nomeavam, inclusive, o blog. Mas são apenas dois...
Pensando em como a realidade me limita, não só os desejos, os sonhos, mas também a visão das coisas, lembrei de mais um: o poeta. Mesmo sendo à moda antiga, adorando as rimas sem preconceito de classe – ricas ou pobres - ele ultrapassa os limites do real, dá  contornos aos dias e noites e pinta os fantasmas com cores tão vivas, que eles se transformam em arco-íris. Por suas mãos, as dores, passando a ter palavras que lhes signifiquem, terminam por ter som. E assim, podem cumprir seus destinos e terminar. Dor existe pra acabar, desaparecer no éter... Sem contar que o poeta faz a passagem entre a luz e a escuridão, pra lá ou pra cá... infinitamente... E assim, meus medos mais infantis se defrontam com um personagem-entidade poderoso que os espanta.
Muitas vezes, ele tem como parceiro o músico. Esse, na verdade, é antes de tudo um cantante, um cantor. Espelhado na cigarra, sem desmerecer a faina da formiga, ele canta em todos os cantos, acha o canto a forma mais linda de estar na Vida e então, canta mais e mais e mais... Também sem parar. Como se fosse explodir, e seus mil pedaços formassem novamente um todo, que será uma nova canção. E assim se repetiria sempre e sempre,como numa ladainha, só que mais pra ciranda, que circula como pião porque tem o pé no chão.
Mas antes de todos vem o palhaço. Esse é antigo, encarnou nesse corpo carregado por um velho espírito e ficou. Encontrou nesse cavalo um companheiro seguro, leal e até certo ponto, confortável.  É que palhaço é sempre um homem triste que se alimenta de risos. E eu trago essa tristeza radical, nascida inda no útero escuro e sombrio onde não pude dormir em paz. Onde desenvolvi a atenção que hoje ainda me tira o sono e atrapalha na hora de deitar no colo amado, no colo desejado...
Então, o palhaço surgiu pra trazer algazarra, barulho de criança, que é o melhor da Vida.  Assim como para, igual bobo da corte, mostrar que a cueca do rei está sempre furada. O palhaço desperta gargalhadas adormecidas, traz levezas pro ar, mesmo estando sempre triste. E essa tristeza ancestral o obriga a ter os olhos molhados e enormes lágrimas ambíguas que escorrem aguando e borrando o sorriso pintado.
O eu palhaço, à frente dessa melancolia contida, pisando nesse picadeiro multicor, causa enormes confusões. Entre eles, de a platéia não conseguir ver seu espírito sério, o comprometido esforço em causar sorrisos, em cavucar almas entristecidas na busca das crianças que cada um escondeu. É não ser reconhecido como esse ser profundo, um guerreiro da paz e da luz, um arauto da Vida.
Enfim, eu sou mesmo é tantos que até canso e me esqueço de quem sou...

terça-feira, 21 de agosto de 2012


 

Com o peito apertado de tão vazio, pedalava distraidamente de volta pra casa e simplesmente se fazia paisagem, que é jeito cômodo de se estar na vida. Sua terra tem tantas infinitas belezas, que se nela um verdadeiro rio inda houvesse, este seria mais belo que o Tejo, não somente por ser o rio da sua aldeia, mas simplesmente por ser ela, sua cidade, das terras a mais bela. Mesmo que ele nem soubesse, de tão acostumado que com ela era...
Mas pedalava suavemente nesta doce distração do ser, quando...
Não,não! Não foi nada disso... Nem o espaço nem a cena eram exatamente estas...
Foi assim, posso assegurar: ia ele caminhando pensativo, mãos nos bolsos, olhando mais o chão que o à frente, observando mais as pedras multiformes que desenhavam o caminho que pisava do que o horizonte que talvez pudesse aparecer depois de cada esquina, quando despontou uma chapinha. É, uma tampa de garrafa de vidro, de cerveja ou refrigerante... Aos seus olhos, ela se fez sedutora bola, com todas as possibilidades de prazer que uma bola oferece a um menino.
Ele caprichou no chute, como se fosse um pênalti. Desde a inspiração profunda e rápida, quase seca, eu diria, até o gesto final. Corpo inclinado, colocado lateralmente como Flavio – o Minuano – célebre centroavante artilheiro do Fluminense no fim da década de 60 - ele bate com a chapa do pé, tentando o gol imaginado. O chute sai mascado – falta de treino – e a chapinha espirra fraca, sem sentido e frustrante como uma ejaculação precoce. A angústia aumenta e é como se o espaço encolhesse no peito do artilheiro derrotado. A ausência que o inundava desde a véspera transborda, como um amazonas desertificado. Falta o ar, o chão se racha, sente a boca seca...
A necessidade de seguir o faz levantar os olhos. À sua frente, ele lê num papel preto e branco colado no muro ao lado do cemitério: “Trago a pessoa amada em três dias. Não é trabalho.”
Sorri docemente e seus olhos, novamente cheios de luz, têm a inocência dos olhos de um menino. Anota o telefone e segue, agora absolutamente feliz!

sábado, 2 de junho de 2012


QUERIA TANTO POSTAR POESIAS...

A primeira impressão era bastante assustadora. Os gritos ininteligíveis, mas claramente agressivos de mulher atravessavam o portão, alcançavam a rua e nos atingiam. A demora em sermos recebidos também inquietava. Tínhamos três pessoas para visitar naquela casa: Francisco, Maria e Marlene. Mas somente os gritos da mulher respondiam aos nossos chamados. Até que uma senhorinha miudinha, velhinha, veio até o portão e nos falou alguma coisa bem baixinho, sem que desse pra gente escutar. Estiquei o pescoço, perguntei: “como?” e ela pareceu não escutar. Depois, pude constatar que não escutara mesmo!
A outra mulher veio e abriu o portão, recriminando a velhinha: “mamãe, sai daí, deixa eles entrarem, são os médicos!”
Passamos pelo portão e ela falou: “com essa doida aí, não dá pra entrar pela sala. Vamos por ali!” disse, referindo-se à mulher que gritava e indicando uma passagem lateral. Fomos, então, pelo lado da casa, atravessamos a cozinha e logo a seguir, uma porta que ela apontou, mostrando o senhor que a gente iria atender. O cheiro de mijo era fortíssimo. O velhinho tão sorridente quanto encarquilhado se mostrava encantado com a nossa presença. A mulher que nos abriu o portão e nos guiava, que agora sabíamos ser filha dos velhinhos, subiu na cama para ligar o ventilador, cujo fio ficava pendurado num canto do quarto somente acessível por ali. O ventilador não ligava e ela reclamava. A falta de lâmpada no teto ampliava a opressão que eu sentia. Seu Francisco era muito simpático. Sua lentidão para responder às perguntas era agravada pela filha que o interrompia, atrapalhando sua fala. Pedi que ela o deixasse falar, sem pressa e, se foi clara a alegria dele com minha intervenção, também o foi a insatisfação dela, que parecia ter pressa. Ao ver que tinha 91 anos, disse a ele que fazia questão de ser convidado pra festança dos cem anos. Ele sorriu, olhar brilhante de criança. Sua saúde era ótima, falei que coração como o dele não se fabricava mais e ele sorriu fingindo modéstia, com um levantar de sobrancelhas.
Fui atender dona Maria, que manifestava ansiedade por também ser ouvida. Seu marido, curioso, revelava interesse em tudo que era dito. A filha se metia também, dizendo ser ela quem cuidava deles, ela quem sabia... E eu querendo ouvir a velhinha, novamente tive que dar um cala boca na filha. 
Até que chegou a hora da Marlene. Uma outra irmã que chegara pouco antes, dona Maria e a filha que nos recebera foram unânimes em dizer que seria impossível consultá-la. “Ela não fala coisa com coisa, só fica aí gritando”, era clara a má vontade com ela. “Já teve derrame, mas não toma os remédios de jeito nenhum”. Depois de obter algumas informações sobre seu adoecimento (soube que o primeiro surto foi durante a gravidez do terceiro filho, hoje um “menino formidável”), fui até a sala onde ela ficava. Deitada num colchonete, só de fralda, uma mulher de uns 50 anos mostrava a face mais dura da loucura: a miserável condição do descuido, do afastamento, da solidão. Me inclinei em direção a ela e perguntei se ia tudo bem. Uns grunhidos foram a resposta. Perguntei se alguma coisa a incomodava, ela gritou sons ininteligíveis, mas expressivos. Sim, ela me respondeu que alguma coisa a incomodava: pegou um pedaço de papelão que fazia de abanador e se refrescou, agitando-o freneticamente próximo ao rosto. O suor escorria até o pescoço e não estava calor. Perguntei se o calor a incomodava muito, ela assentiu com um grunhido que só podia significar “sim”. Pedi pra que apertasse minha mão para aferir sua força muscular. Sua mão esquerda era forte, a direita tinha a seqüela do acidente vascular. Elogiei sua força, mostrando surpresa, e ela riu orgulhosa e começou a se balançar para a frente, fazendo uma báscula, até que se levantou e se sentou na cama. Manifestei espanto com sua capacidade e ela sorriu sem modéstia, mas com o mesmo levantar de sobrancelhas que seu pai fizera poucos minutos atrás. Ela quis apertar mais a minha mão e fez força e sacudiu meu braço e começou a tremer e gritar de tal forma que senti um arrepio me atravessar. Pensei nos meus santos e com meus botões: “tenho que segurar esse tranco!” E vibrei junto com ela até ela parar. Ela riu. Estávamos amigos, pensei. Felizmente ela confiou em mim. Falei que ia ver seu pulso, depois fui auscultar seu coração... Ela puxou o seio, me mostrando o bico, me pareceu que eroticamente. Continuei ouvindo o coração, olhar muito sério, disse que estava tudo bem, apesar da freqüência estar em 104 (Normal de 60 a 80) e que ia medir sua pressão. Peguei seu braço e aferi, espantado: 230/160. Me levantei e lhe disse que ela ia precisar de tomar um remedinho. A irmã, do corredor, disse que ela não tomava de jeito nenhum. Eu falei alto para que todos ouvissem: “vou dar um remédio pra melhorar esse calor que você sente, viu, Marlene? Pra você se sentir mais confortável, ficar mais feliz”. E me levantei, dizendo que voltava. Falei pra Dany (ACS) quanto estava a pressão, a irmã reclamou um bocado mais e me disse, então que eu tentasse lhe dar o remédio. Fomos até a cozinha, peguei o Atenolol, um copo de água fresca e voltei à sala. Dei-lhe a mão para que se sentasse, e ofereci o comprimido. Ela grunhiu algo que significava ruim. Eu disse, “não, esse é bom, vai melhorar teu calor, diminuir esse suor que te incomoda, você vai ficar mais feliz”. Ela pegou o comprimido, jogou na garganta, bebeu a água e assentiu com a cabeça e um som que era próximo de bom. Sorri pra ela e disse que ia voltar pra gente conversar mais um pouco e saber como ela estava num outro dia.
Quando saí ao corredor, todos estavam surpresos, dona Maria me agradeceu por ter ido e agradecia a Deus por ter me enviado... Confesso que fico envergonhadíssimo dessas manifestações de gratidão por tão pouco...
Saímos à rua, eu e Dany, só comentei com ela: “que barra pesada!”, e seguimos. Meu corpo doía, comecei a sentir dor de cabeça e falei pra ela que devia ser um pouco de sinusite, devido à gripe. Só mais tarde é que compreendi que ali naquela sala, ela descarregou através do meu braço um bocado dos seus sofrimentos. Pena que é muita coisa pra se resolvida assim. E meu cavalo é pequeno...

domingo, 27 de maio de 2012


Saúde da Família na Maré

O barulho ritmado do helicóptero assusta, seu som é grave, ao contrário do som dos helicópteros comuns. Esse que passa sobre nossas cabeças pra lá e pra cá, lembra o Apocalypse Now: pôpôpôpôpôpôpôpô... Parece uma cena de filme quando escrevo, mas é como filme de terror. As crianças se perfilam sinuosamente no pátio do CIEP, surpreendentemente indiferentes. Se já é difícil ordenar as filas dos alunos normalmente, num clima destes, mais ainda. As professoras – não tem professores homens – olham para o céu a todo instante apreensivas. Fogos pipocam a todo instante de um lado, de outro, mas a rotina continua. As pessoas só passam mais apressadamente pelas ruas.
O posto de saúde está vazio, quando chega uma senhora pra eu atender. Consulta de rotina, está escrito no seu cartão. Ela diz estar nervosa com os fogos, o clima da área... Sua pressão está 22 por 12. Ela diz que quando tem operação – palavra apreendida da mídia para falar das grandes ações da polícia nas favelas – fica assim mesmo... Conversamos, lhe dou um ansiolítico que trago na bolsa para essas eventualidades. Algum tempo depois, a pressão cai para 16 por 10 e ela vai embora.
Logo depois a enfermeira me pergunta se pode dar número para eu ver um aluno do CIEP que levou um chute no saco. É um garoto de 8 anos, chega curvado, numa posição conhecida dos homens que já jogaram bola. Dói muito, muito mesmo! Ele vem amparado pela professora, tem a testa franzida, tensa, cílios ainda molhados de lágrimas, cara de amedrontado e zangado. Pergunto o que foi, a professora responde, ele calado... Peço pra ele abaixar a bermuda pra eu examiná-lo. Nada demais, atesto. Pergunto se dói muito, ele faz um bico de raiva e confirma. A professora conta que dois meninos do lado de cá o pegaram na hora da confusão do helicóptero blindado passando sobre a escola, um o imobilizou e o outro chutou seu saco. Ele, Douglas, é do lado de lá... Uma comunidade, uma facção, outra comunidade, outra facção. Um valão dividindo as duas e as crianças vestindo a camisa da facção dos seus lados. Pergunto o que doeu mais, se o chute ou a covardia. Finalmente, ele fala alguma coisa, os olhos novamente molhados: na hora, doeu o chute, agora tá doendo a covardia, disse ele.
Algum tempo depois, o gerente entre na sala e diz: “vamos embora que ligaram falando pra fechar a unidade. Mataram um policial do Core...” Sem falar mais nada, fechou a porta e sumiu.
Ao sair da favela, sol a pino, me amedrontam o silêncio profundo e o vazio das ruas, nem mesmo os cachorros a gente vê como habitualmente... Só um ou outro morador passam apressados, mas vejo uns meninos de uns 13, 14 anos em grupo, caminhando lentamente, falando alto, como que a provar que são imortais... Por isso morrem tanto e tão facilmente!
Entro na Linha Vermelha e agradeço ao meu anjo da guarda: já dei tanto trabalho pra ele, que tenho medo de ele cansar. Mas ele é leal, me acompanha sempre e abre suas asas largas generosamente sobre mim. É confortador crer na sua presença, mas se eu morasse lá, acho que ele não dava conta...


Exte texto foi postado em 14 de março no facebook e aqui, fiz acréscimos alguns de relatos que à época não pude fazer.
Resolvi voltar a postar meus escritos neste blog. É que se eu não escrever em algum lugar, se eu não acreditar que alguém está lendo, acho que explodo em millemorceaux.
E como estou há um tempo trabalhando na Nova Holanda, favela do complexo da Maré, muita coisa tenho escrito sobre minhas vivências lá. É um cotidiano difícil, duro, triste muitas vezes, mas que revela que a humanidade teima em se fazer presente nas situações mais desumanas. Então, eu vou procurar relatar aqui as colheitas que faço de surpreendentes flores e frutos nascidos na terra mais improvável.




Manhã de domingo, eu, só, inquieto e a tela em frente a mim.
Gosto de pasta de dente na boca, espero o corpo finalmente acordar
e então decidir, corro ou não, fico aqui a jiboiar o café pão queijo gostosos
ou leio de cabo a rabo o gordo jornal de domingo
que adora me impacientar, assim como aquietar?
São tantos paradoxos, são tantos satãs e deuses em mim
e ainda tem os livros também...
Vários, variações sobre o mesmo tema:
masculino feminino amor encontro desencontro,
nada foge disso e sempre entremeado de medos.
Sou prisioneiro e eterno fugitivo: penso, logo fujo,
sinto porque existo e,
ora lamento e choro, ora me regozijo e gozo
essa condição humana tão limitada e ampla,
que me faço vira-lata e vou ao teu quintal:
não tenho coleira nem casa, não tenho muros a me cercar,
então entro por tua janela e te vejo nua a despertar. 

terça-feira, 24 de abril de 2012


Volto aqui a escrever encantado por uma mulher que vê da sua janela eucaliptos. Não os mesmos que, quando menina, adornavam seus passeios. Mas são eles, de certa forma, os mesmos, mesmo que a janela não seja. E que mesmo a menina já tenha agora os olhos despertados pelos encontros, desencontros, pela maternidade e pela realidade inevitável e incompreensível da morte. Ela fala do tempo que passa e do peito vazio cheia de clareza e certeza. Diz tudo com muita beleza! Como é que consegue encontrar palavras tão bonitas e simples que vão se juntando e formando canções, mesmo que esteja escuro e o silêncio seja tonitruante... (Ela faz palavras como essa serem naturais como o trovão. E riscarem o nosso peito como um raio de luz).
Nela inspirado, escrevi, mesmo que envergonhado pela timidez diante de sua poesia:
“O tempo continua seu tropelante caminhar pela vida...  O espaço pra acolher encolhe... O outro, que buscamos no tempo ansiosamente e no espaço angustiadamente, nunca nos atende por inteiro. Será que só a transcendência talvez nos livre desses dois implacáveis opressores e nos deixe simplesmente amar?   
Ou haverá um outro tão a mim afeito que me deixe enfim, em paz adormecer?”