sábado, 25 de agosto de 2012

Alguns eus meus


Eu falara pra ela que sou vários. Quantos, me perguntei depois? Médico e louco já estavam na pré-lista. Nomeavam, inclusive, o blog. Mas são apenas dois...
Pensando em como a realidade me limita, não só os desejos, os sonhos, mas também a visão das coisas, lembrei de mais um: o poeta. Mesmo sendo à moda antiga, adorando as rimas sem preconceito de classe – ricas ou pobres - ele ultrapassa os limites do real, dá  contornos aos dias e noites e pinta os fantasmas com cores tão vivas, que eles se transformam em arco-íris. Por suas mãos, as dores, passando a ter palavras que lhes signifiquem, terminam por ter som. E assim, podem cumprir seus destinos e terminar. Dor existe pra acabar, desaparecer no éter... Sem contar que o poeta faz a passagem entre a luz e a escuridão, pra lá ou pra cá... infinitamente... E assim, meus medos mais infantis se defrontam com um personagem-entidade poderoso que os espanta.
Muitas vezes, ele tem como parceiro o músico. Esse, na verdade, é antes de tudo um cantante, um cantor. Espelhado na cigarra, sem desmerecer a faina da formiga, ele canta em todos os cantos, acha o canto a forma mais linda de estar na Vida e então, canta mais e mais e mais... Também sem parar. Como se fosse explodir, e seus mil pedaços formassem novamente um todo, que será uma nova canção. E assim se repetiria sempre e sempre,como numa ladainha, só que mais pra ciranda, que circula como pião porque tem o pé no chão.
Mas antes de todos vem o palhaço. Esse é antigo, encarnou nesse corpo carregado por um velho espírito e ficou. Encontrou nesse cavalo um companheiro seguro, leal e até certo ponto, confortável.  É que palhaço é sempre um homem triste que se alimenta de risos. E eu trago essa tristeza radical, nascida inda no útero escuro e sombrio onde não pude dormir em paz. Onde desenvolvi a atenção que hoje ainda me tira o sono e atrapalha na hora de deitar no colo amado, no colo desejado...
Então, o palhaço surgiu pra trazer algazarra, barulho de criança, que é o melhor da Vida.  Assim como para, igual bobo da corte, mostrar que a cueca do rei está sempre furada. O palhaço desperta gargalhadas adormecidas, traz levezas pro ar, mesmo estando sempre triste. E essa tristeza ancestral o obriga a ter os olhos molhados e enormes lágrimas ambíguas que escorrem aguando e borrando o sorriso pintado.
O eu palhaço, à frente dessa melancolia contida, pisando nesse picadeiro multicor, causa enormes confusões. Entre eles, de a platéia não conseguir ver seu espírito sério, o comprometido esforço em causar sorrisos, em cavucar almas entristecidas na busca das crianças que cada um escondeu. É não ser reconhecido como esse ser profundo, um guerreiro da paz e da luz, um arauto da Vida.
Enfim, eu sou mesmo é tantos que até canso e me esqueço de quem sou...

terça-feira, 21 de agosto de 2012


 

Com o peito apertado de tão vazio, pedalava distraidamente de volta pra casa e simplesmente se fazia paisagem, que é jeito cômodo de se estar na vida. Sua terra tem tantas infinitas belezas, que se nela um verdadeiro rio inda houvesse, este seria mais belo que o Tejo, não somente por ser o rio da sua aldeia, mas simplesmente por ser ela, sua cidade, das terras a mais bela. Mesmo que ele nem soubesse, de tão acostumado que com ela era...
Mas pedalava suavemente nesta doce distração do ser, quando...
Não,não! Não foi nada disso... Nem o espaço nem a cena eram exatamente estas...
Foi assim, posso assegurar: ia ele caminhando pensativo, mãos nos bolsos, olhando mais o chão que o à frente, observando mais as pedras multiformes que desenhavam o caminho que pisava do que o horizonte que talvez pudesse aparecer depois de cada esquina, quando despontou uma chapinha. É, uma tampa de garrafa de vidro, de cerveja ou refrigerante... Aos seus olhos, ela se fez sedutora bola, com todas as possibilidades de prazer que uma bola oferece a um menino.
Ele caprichou no chute, como se fosse um pênalti. Desde a inspiração profunda e rápida, quase seca, eu diria, até o gesto final. Corpo inclinado, colocado lateralmente como Flavio – o Minuano – célebre centroavante artilheiro do Fluminense no fim da década de 60 - ele bate com a chapa do pé, tentando o gol imaginado. O chute sai mascado – falta de treino – e a chapinha espirra fraca, sem sentido e frustrante como uma ejaculação precoce. A angústia aumenta e é como se o espaço encolhesse no peito do artilheiro derrotado. A ausência que o inundava desde a véspera transborda, como um amazonas desertificado. Falta o ar, o chão se racha, sente a boca seca...
A necessidade de seguir o faz levantar os olhos. À sua frente, ele lê num papel preto e branco colado no muro ao lado do cemitério: “Trago a pessoa amada em três dias. Não é trabalho.”
Sorri docemente e seus olhos, novamente cheios de luz, têm a inocência dos olhos de um menino. Anota o telefone e segue, agora absolutamente feliz!