O calor infernal pedia uma cerveja. Parei em frente ao boteco e aproveitei uma mesa vazia ao lado da porta para sentar. Ali pelo menos corria um arzinho. Chamei o homem que servia e pedi uma Boehmia bem gelada. Rapidamente, ele trouxe uma garrafa esbranquiçada por uma poeira de gelo. Prometia... O primeiro gole, amazônico, não deu conta de irrigar totalmente a sede. Bebi mais um golinho e relaxei na cadeira. Um cara de outra mesa chama o homem:
“Caroço, traz outra Skol, mas bem gelada, que essa aqui não tava boa, não”.
Ele responde: “você fica conversando em vez de beber, ela esquenta”.
Eu assistia àquilo com olhos de passarinho. Explico: me sentia empoleirado numa nuvem sem obstáculos e aguardando o vento. Sem nada nem ninguém pra atrapalhar o horizonte. Qualquer problema, “elas passarão, eu passarinho”!...
Chamei o Caroço e indaguei respeitosamente: “Posso te fazer uma pergunta?”
“Pode”, ele respondeu.
“Porque te chamam de Caroço?”
“É que eu tinha um caroço na testa. Do tamanho de uma laranja. Era um quisto. Fiquei com ele 17 anos e agora tem 12 que eu tirei. Aí, o Caroço ficou, só me chamam assim.”
“E qual é o seu nome?
“Úlissom. Escreve assim (me mostra a carteira e soletra: u, ele, i, esse esse, ó, eme). E fala Úlissom”, diz, enfatizando a tônica no u.
“É mais fácil Caroço, né?”, pergunto.
“Minha mãe foi quem me registrou. Meu pai largou ela antes de eu nascer. Ela quis dar o nome do meu avô, pai dela, que era Wilson, mas não sabia escrever, aí botou Úlissom.
Aí ficou. Eu não ligo pra me chamarem de Caroço. É até mais fácil. Tá boa a cerveja?”
“Tá”, respondi, pensando em quanto ele me falara de si diante de uma simples pergunta.
Chega um sujeito na mesa do que tomava a Skol e fala:
“Calorão, hein?” E prossegue, diante da concordância gestual do outro, abanando o rosto com as duas mãos:
“Rapaz, essa massa de ar quente, quando fica estacionada é foda! Não deixa chegar nenhum ventinho, aí fica esse abafamento danado. E ainda tem o aquecimento global por causa do derretimento dos pólos. Até pro urso polar tá pegando, porque ele precisa de frio. Tem um pelo grosso demais, aí sofre muito com esse calorão. Não sei como é que vai ficar, não. Pode ser que melhore agora com o Obama... O cara é mulato, deve ter passado por muita parada dura pra chegar onde chegou.”
Desliguei os ouvidos e lembrei do Stanislaw Ponte Preta e o seu “Samba do crioulo doido.” Paguei a cerveja pro Caroço e fui embora, com a imagem dos pólos derretendo. Preocupado com o clima, com o futuro da vida e com as representações que cada um de nós faz das informações que colhemos. E pensei também nas moças do tempo que, sempre gostosas, nos fazem meteorologistas amadores. Imaginei a cena de um urso polar suando e pensei que até então, nunca tinha ouvido falar do Obama como mulato. Só como negro. Será que ainda existe a palavra mulato ou só quando se fala de sambistas gostosas?
E o calor continua do Saara...
segunda-feira, 9 de março de 2009
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