domingo, 8 de novembro de 2009

O Caroço e a Verdade





Outro dia, uma amiga que leu a última página que escrevi sobre o Hilbem, aliás, Caroço, me disse que estava desconfiada de que ele era eu. E de que ele seria um personagem criado por mim pra escrever o que quisesse sem me comprometer. Como se isso fosse possível: escrever sem compromisso, viver sem compromisso, falar de alguém sem compromisso...
Há de ter aqueles que podem. Eu não consigo. Estou nessa vida até o último fio de cabelo e não vejo como não estar compromissado de forma absoluta com ela. Por isso, não acredito em neutralidades, imparcialidades, corpos inertes e outras coisas que nos contam como verdades. Como vivo em função daquilo em que acredito, esta é a minha verdade. E acredito que tudo está em contato, tudo está misturado, que a pureza é uma grande fantasia. Mas afinal, o que é a Verdade? Quais as verdades em que acreditamos e a que nos curvamos? Quais contamos, passamos adiante? Que olhar apreendeu aquela realidade e que língua a contou? Pintados por quais vivências foram aquele olhar e aquela boca?
O Caroço é cego de um olho... Mas enxerga mais do que muitos videntes. Resolvi postar sua foto pra que não fiquem dúvidas: ele existe. É mais uma pessoa nesse mundão enorme. Um solitário, um cara que vive nas beiras da nossa cidade, sábio a seu jeito, vendo a vida com o olho que lhe restou e a contando com a boca que amargou grandes dissabores. Sobrou-lhe a infinita liberdade dos despossuídos: o que tem a perder é muito pouco. Restou um pouco de saúde - suficiente para sobreviver a um dia inteiro tomando genebra e para trombetear aos quatro ventos suas crenças e descrenças -, uma corrente tão grossa como barata que lhe pesa no pescoço e uma história que somente a ele pertence. E um compromisso absoluto consigo mesmo: com o seu tempo e suas poucas coisas. A sua Verdade.
Nesta semana, soube de outra novidade sua: ele não lava suas roupas. Onde mora, não tem onde fazê-lo, nem onde secá-las. Então, a solução é usar as roupas ao máximo, até onde sua vaidade permite e depois jogá-las fora. E ao explicar sua metodologia, me deu um sorriso irônico e denunciou com sua voz potente: “estilo de rico: usou, jogou fora. E ainda ajudo os pobres: se alguém está precisando muito, pode pegar, lavar e usar...” Perguntei-lhe então sobre uma calça de linho bege, alinhada, fina, com a qual eu o havia visto uma vez, tempos atrás. Ele simplesmente respondeu: “sujou...”