quarta-feira, 8 de abril de 2009

A formiga e a flor - 16 de novembro de 2008

Talvez só tenha aprendido a guardar segredos...
Mágoas também - mesmo sem querer - tenho que reconhecer,
apesar da vergonha,ficam escondidas em algum canto de mim
e afloram, estúpidas,
a me reviver o que nunca desejei sentir.
Mas os cheiros, sabores,
as belezas todas que colhi e colho,
nunca as guardei só pra mim.
É como se no meu peito não coubessem e escapassem,
me obrigando a dividi-las.
E esse compartilhar me fez ter muitas coisas
sem ter nada guardado.
Por isso, talvez, tenho tudo e tenho nada
sou livre na minha pobreza
e feliz e em paz com minha riqueza.
Isso tudo eu falei pra contar
que eu vi uma formiga carregando uma flor!
É! Eu vi uma minúscula formiga
carregando uma mais minúscula ainda flor!
E me encantei com o insólito e surpreendente da rara cena,
mesmo sem ilusões de que a formiga estivesse
levando a flor para a sua amada.
Nada disso! Pelo jeito como era carregada,
não seria certamente um banquete
ou sequer um petisco especial.
Não! É mais provável mesmo que fosse refeição trivial.
Mas quando eu vi uma formiga carregando uma flor,
uma pequenina formiga carregando uma singela flor,
eu pude ver que a beleza está no olhar
quando este consegue ver a vida seguindo, inevitável.
E me enchi de esperança ao descobrir,
além da alimentar cadeia
que nos aprisiona, liberta ou consome,
a beleza que se esconde mesmo na morte,
que pode ser no fim das contas
a refeição mais banal.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Saúde metálica

“Eu sempre tive uma saúde de ferro, até que apareceu esse câncer”. Foi isso que aquele homem emagrecido e desbotado me disse logo que entrou e sentou-se à minha frente no consultório. Tinha um olhar meio embaçado pelo cansaço dos tratamentos a que vinha se submetendo e pela desesperança. Mas também tinha a expressão incrédula de quem talvez sentisse a imortalidade dos adolescentes até ser pego no contrapé pela doença.
“Eu levantava cedinho todo santo dia e, no final da noite, deitava, cansado de trabalhar direto e aí, dormia em um minuto. Igual a uma pedra! Nunca soube o que é insônia. Nem gripe, dor de cabeça, nada. Nunca faltei ao trabalho por causa de doença. Só quando meu pai morreu e, mesmo assim, só um dia, apesar de ter direito a licença maior. Foi só pra resolver aquela coisa chata de atestado de óbito, liberar o corpo e enterrar. Agora, de repente, aparece esse câncer...”.
Essa conversa de saúde de ferro revela uma armadilha que está posta à nossa frente. Se a gente vai ao dicionário, vê que o ferro, na maior parte das vezes está associado a dureza, resistência, capacidade de suportar carga, além de, no sentido figurado, poder significar cruel, desumano!!! É, tá lá no Aurélio... E será que é essa a saúde que queremos ter? Aliás, qual é a saúde ideal? Ou o que é saúde?
A saúde tem definições oficiais, como a da Organização Mundial de Saúde, que afirma ser ela “o perfeito bem-estar físico, mental e social”, seja lá o que isso for! Afinal, que diabos é a perfeição? Já disse há tempos nosso ex-ministro artista e filósofo Gil que “a perfeição é uma meta defendida pelo goleiro que joga na seleção, e eu não sou Pelé nem nada, se muito for, eu sou o Tostão”. Portanto, fica difícil ter saúde pela definição da OMS, a não ser pro Pelé... Com certeza nem o Edson (Arantes do Nascimento) tem saúde! A verdade é que saúde é um conceito que faz parte do grande elenco das subjetividades. E, como tal, tem contornos indefiníveis para qualquer forma de generalização, sendo, portanto, muito variável e dependente da experiência pessoal. Assim, pode até mesmo significar dureza, pra quem gosta do ferro e o tem como metal ideal.
Quanto a mim, eu sei, por exemplo, que não quero nem o brilho do ouro, pois serei muito desejado e poderei me tornar arrogante. Assim como não quero ter o peso cinza e depressivo do chumbo, que me lembra nuvens pesadas de tempestades e ausência de sol. Por outro lado, quero ter do bronze o som, como o Milton tem na garganta. Quero também a maleabilidade do cobre pra saber a hora de me curvar e resistir às ventanias, quero a sua condutibilidade pra deixar fluir a energia, compartilhar saberes, semear laços... Do mercúrio, quero o movimento mas não a intangibilidade, da prata, a lua cheia com todas as suas paixões e poesias.
E do ferro, sinceramente, desejo a dureza, mas para apenas uma pequena (mas nem tanto) parte do meu corpo. E, mesmo assim, somente em alguns momentos. Afinal, “eu não sou de ferro...”.