Talvez só tenha aprendido a guardar segredos...
Mágoas também - mesmo sem querer - tenho que reconhecer,
apesar da vergonha,ficam escondidas em algum canto de mim
e afloram, estúpidas,
a me reviver o que nunca desejei sentir.
Mas os cheiros, sabores,
as belezas todas que colhi e colho,
nunca as guardei só pra mim.
É como se no meu peito não coubessem e escapassem,
me obrigando a dividi-las.
E esse compartilhar me fez ter muitas coisas
sem ter nada guardado.
Por isso, talvez, tenho tudo e tenho nada
sou livre na minha pobreza
e feliz e em paz com minha riqueza.
Isso tudo eu falei pra contar
que eu vi uma formiga carregando uma flor!
É! Eu vi uma minúscula formiga
carregando uma mais minúscula ainda flor!
E me encantei com o insólito e surpreendente da rara cena,
mesmo sem ilusões de que a formiga estivesse
levando a flor para a sua amada.
Nada disso! Pelo jeito como era carregada,
não seria certamente um banquete
ou sequer um petisco especial.
Não! É mais provável mesmo que fosse refeição trivial.
Mas quando eu vi uma formiga carregando uma flor,
uma pequenina formiga carregando uma singela flor,
eu pude ver que a beleza está no olhar
quando este consegue ver a vida seguindo, inevitável.
E me enchi de esperança ao descobrir,
além da alimentar cadeia
que nos aprisiona, liberta ou consome,
a beleza que se esconde mesmo na morte,
que pode ser no fim das contas
a refeição mais banal.
quarta-feira, 8 de abril de 2009
quinta-feira, 2 de abril de 2009
Saúde metálica
“Eu sempre tive uma saúde de ferro, até que apareceu esse câncer”. Foi isso que aquele homem emagrecido e desbotado me disse logo que entrou e sentou-se à minha frente no consultório. Tinha um olhar meio embaçado pelo cansaço dos tratamentos a que vinha se submetendo e pela desesperança. Mas também tinha a expressão incrédula de quem talvez sentisse a imortalidade dos adolescentes até ser pego no contrapé pela doença.
“Eu levantava cedinho todo santo dia e, no final da noite, deitava, cansado de trabalhar direto e aí, dormia em um minuto. Igual a uma pedra! Nunca soube o que é insônia. Nem gripe, dor de cabeça, nada. Nunca faltei ao trabalho por causa de doença. Só quando meu pai morreu e, mesmo assim, só um dia, apesar de ter direito a licença maior. Foi só pra resolver aquela coisa chata de atestado de óbito, liberar o corpo e enterrar. Agora, de repente, aparece esse câncer...”.
Essa conversa de saúde de ferro revela uma armadilha que está posta à nossa frente. Se a gente vai ao dicionário, vê que o ferro, na maior parte das vezes está associado a dureza, resistência, capacidade de suportar carga, além de, no sentido figurado, poder significar cruel, desumano!!! É, tá lá no Aurélio... E será que é essa a saúde que queremos ter? Aliás, qual é a saúde ideal? Ou o que é saúde?
A saúde tem definições oficiais, como a da Organização Mundial de Saúde, que afirma ser ela “o perfeito bem-estar físico, mental e social”, seja lá o que isso for! Afinal, que diabos é a perfeição? Já disse há tempos nosso ex-ministro artista e filósofo Gil que “a perfeição é uma meta defendida pelo goleiro que joga na seleção, e eu não sou Pelé nem nada, se muito for, eu sou o Tostão”. Portanto, fica difícil ter saúde pela definição da OMS, a não ser pro Pelé... Com certeza nem o Edson (Arantes do Nascimento) tem saúde! A verdade é que saúde é um conceito que faz parte do grande elenco das subjetividades. E, como tal, tem contornos indefiníveis para qualquer forma de generalização, sendo, portanto, muito variável e dependente da experiência pessoal. Assim, pode até mesmo significar dureza, pra quem gosta do ferro e o tem como metal ideal.
Quanto a mim, eu sei, por exemplo, que não quero nem o brilho do ouro, pois serei muito desejado e poderei me tornar arrogante. Assim como não quero ter o peso cinza e depressivo do chumbo, que me lembra nuvens pesadas de tempestades e ausência de sol. Por outro lado, quero ter do bronze o som, como o Milton tem na garganta. Quero também a maleabilidade do cobre pra saber a hora de me curvar e resistir às ventanias, quero a sua condutibilidade pra deixar fluir a energia, compartilhar saberes, semear laços... Do mercúrio, quero o movimento mas não a intangibilidade, da prata, a lua cheia com todas as suas paixões e poesias.
E do ferro, sinceramente, desejo a dureza, mas para apenas uma pequena (mas nem tanto) parte do meu corpo. E, mesmo assim, somente em alguns momentos. Afinal, “eu não sou de ferro...”.
“Eu levantava cedinho todo santo dia e, no final da noite, deitava, cansado de trabalhar direto e aí, dormia em um minuto. Igual a uma pedra! Nunca soube o que é insônia. Nem gripe, dor de cabeça, nada. Nunca faltei ao trabalho por causa de doença. Só quando meu pai morreu e, mesmo assim, só um dia, apesar de ter direito a licença maior. Foi só pra resolver aquela coisa chata de atestado de óbito, liberar o corpo e enterrar. Agora, de repente, aparece esse câncer...”.
Essa conversa de saúde de ferro revela uma armadilha que está posta à nossa frente. Se a gente vai ao dicionário, vê que o ferro, na maior parte das vezes está associado a dureza, resistência, capacidade de suportar carga, além de, no sentido figurado, poder significar cruel, desumano!!! É, tá lá no Aurélio... E será que é essa a saúde que queremos ter? Aliás, qual é a saúde ideal? Ou o que é saúde?
A saúde tem definições oficiais, como a da Organização Mundial de Saúde, que afirma ser ela “o perfeito bem-estar físico, mental e social”, seja lá o que isso for! Afinal, que diabos é a perfeição? Já disse há tempos nosso ex-ministro artista e filósofo Gil que “a perfeição é uma meta defendida pelo goleiro que joga na seleção, e eu não sou Pelé nem nada, se muito for, eu sou o Tostão”. Portanto, fica difícil ter saúde pela definição da OMS, a não ser pro Pelé... Com certeza nem o Edson (Arantes do Nascimento) tem saúde! A verdade é que saúde é um conceito que faz parte do grande elenco das subjetividades. E, como tal, tem contornos indefiníveis para qualquer forma de generalização, sendo, portanto, muito variável e dependente da experiência pessoal. Assim, pode até mesmo significar dureza, pra quem gosta do ferro e o tem como metal ideal.
Quanto a mim, eu sei, por exemplo, que não quero nem o brilho do ouro, pois serei muito desejado e poderei me tornar arrogante. Assim como não quero ter o peso cinza e depressivo do chumbo, que me lembra nuvens pesadas de tempestades e ausência de sol. Por outro lado, quero ter do bronze o som, como o Milton tem na garganta. Quero também a maleabilidade do cobre pra saber a hora de me curvar e resistir às ventanias, quero a sua condutibilidade pra deixar fluir a energia, compartilhar saberes, semear laços... Do mercúrio, quero o movimento mas não a intangibilidade, da prata, a lua cheia com todas as suas paixões e poesias.
E do ferro, sinceramente, desejo a dureza, mas para apenas uma pequena (mas nem tanto) parte do meu corpo. E, mesmo assim, somente em alguns momentos. Afinal, “eu não sou de ferro...”.
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