quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

TODO PAI É GRANDE

TODO PAI É GRANDE

Eu já tinha atendido o Lucas quatro vezes antes daquela. Ele tinha uma bronquite forte, daquelas de parar nas emergências pra nebulizar, mas logo com a primeira medicação, começou a melhorar muito. Quando voltou pra segunda consulta, já estava há umas duas semanas sem chiar. A terceira, eu marquei só pra três meses depois. Como ele morava longe - em Niterói, pra ser mais exato, em Camboinhas –, não havia tido mais nenhuma crise e até tivera umas manifestações possíveis de cura definitiva sob o ponto de vista homeopático - como um eczema que reapareceu por uns dias e era igual a um que ele tivera aos dois anos de idade - falei pra mãe dele que podíamos espaçar as consultas para de seis em seis meses.

Nessas consultas, eu falava com ele sobre futebol, conversávamos sobre Camboinhas, onde ele morava e eu pescara algumas vezes, quando morei em Niterói... E me lembro que uma vez, fiz uma mágica simples que havia aprendido e ele ficou encantando, curioso, querendo descobrir o segredo... Gostei muito dele e ele de mim e ficamos amigos.

Por isso o meu espanto quando naquele dia, ele entrou no consultório com a cara amarrada, emburrado e sem querer assunto. Ficou quieto no canto da sala, me olhando de lado e com uma tromba enorme. Ele tinha 9 anos na época e se tratou comigo até uns 12. Depois, perdi de vista. Mas naquele dia, ele estava realmente zangado. Perguntei à mãe o porquê e ela explicou:

“A consulta já estava marcada há muito tempo, eu tinha me organizado pra trazê-lo e pra isso, avisei no trabalho que ia sair mais cedo. Quando cheguei em casa, ele estava na praia com o pai. Aí, peguei ele lá, mandei tomar um banho rápido e viemos. Mas ele não queria vir e só dizia que não estava com tosse, nem falta de ar, portanto não tinha porque vir à consulta...”

Pensei no quanto ele devia, justamente, estar puto. Sair da praia em Camboinhas, onde se divertia com o pai, e vir pro Rio pra uma consulta médica em pleno mês de fevereiro com aquele calorão danado... Tentei, então, contornar a situação e comecei a puxar assunto. Falei do pai dele:
“Teu pai nunca veio aqui, né? Eu não conheço ele. Como é que ele é?” Como ele desse de ombros, continuei:
“Teu pai é legal”. Ele assentiu com um gesto econômico da cabeça e, então, eu prossegui:

“Teu pai é grande?” Foi então que o Lucas me deu um desses presentes que a gente ganha quando atende os pacientes com o coração aberto:
“Claro, todo pai é grande!” sentenciou meu amiguinho, seco, definitivo, como que me repreendendo por não saber algo tão óbvio! E me abriu as portas para um desses insights inesquecíveis que a gente tem nos momentos mais inusitados, como em baixo do chuveiro ou numa caminhada despretensiosa.
Fiquei algumas horas afetado pela sua fala, porém feliz com a descoberta. “Todo pai é grande!” Não tem jeito. Vivo ou morto, presente ou não, afetuoso ou rude, conhecido ou não, todo pai é grande. Acho que ali, eu comecei a perceber o tamanho do meu pai dentro de mim, o meu verdadeiro tamanho e a enorme responsabilidade da paternidade. E vi como todo pai é grande!

2 comentários:

  1. lindo demais, tudo, o texto,o autor, o pai, os pais!

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  2. Que lindo Henrique e que maravilha que se esteja dando mais valor real a figura do pai na nossa sociedade. Sempre foi algo que me empenhei em comentar exaltar nas conversas, nos grupos com que trabalho, e sempre fico impressionada com a ignorância geral a esse respeito. Sempre falo (quando comento o tempo em que Luiza estava na barriga da Paula, se me refiro ao Pedro nessa época) quando Pedro estava gravido, e isso causa espanto e riso quase sempre. Me dá muita alegria no coração saber e constatar que se está começando a entender e assumir que o pai é tão importante quanto a mãe; que não há um mais que o outro só há a diferença: um é pai e a outra é mãe.

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