quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Manhã de aniversário

Amanheço aniversariando e me dou de alegria a (re)leitura do Livro sobre Nada. Manoel de Barros puro, estonteante de surpresas. Livro em que ele desinventa as coisas só pra fazer arte com as palavras, pintar cores que não foram inventadas, visões que ainda não foram vistas... “Mano Preto perguntava: Será que fizeram o beija-flor diminuído só pra ele voar parado?” ...ou visões que foram vistas por todos, mas que só ele (en)cantou: “Um lagarto atravessou meu olho e entrou para o mato.”
Meu aniversário sempre caiu nas férias, perto do Carnaval, verão, sol forte e praia. Geralmente, água do mar quente, não sei porque. Se bem que hoje ela deve estar fria, já que ontem estava gelada, parece que as correntes lá de Cabo Frio finalmente chegaram à cidade. Lembro de como eu boiava pra lá da arrebentação, olhando o céu e depois a praia com alegria latejante de estar fazendo aniversário... O bolo coberto de jujubas coloridas, o furo que ficou na cobertura quando roubei a primeira delas antes da hora, eu passando o dedo e alisando a cobertura pra disfarçar o buraco. A história que contavam do tio Expedicto, que com a mania de furar os bolos, foi obrigado pelo vovô a comer um bolo inteiro. Passou mal, mas nunca mais furou bolo, diziam. Tio Expedicto, papai, vovó (Dolores), Lelé, já tenho muitos mortos queridos. Ou queridos mortos. Saudades. Engraçado pensar na morte no dia do aniversário. Mas já que ela existe mesmo, então, é natural que passeie por aí e nos pegue de vez em quando. Mesmo que seja só no pensamento. Aliás, eu é que peguei ela e, ainda assim, não foi pela mão, foi só pelo pé da saudade. A Adélia Prado fala de um outro pé de saudade, que é roxo e não é o pé da saudade que eu peguei agora. A saudade roxa que ela fala nasceu na terra onde enterrou seus pais:
“Mãe, ô mãe, ô pai, meu pai.
Onde estão escondidos?
É dentro de mim que eles estão.
Não fiz mausoléu pra eles,
pus os dois no chão.
Nasceu lá, porque quis,
um pé de saudade roxa,
que abunda nos cemitérios.
Quem plantou foi o vento,
a água da chuva.
Quem vai matar é o sol.”
O sol me chama pra rua, mas não vai me matar. Talvez me torrar. Vou pra praia, hoje reservei o dia pro ócio, pra comemoração, celebração. Ver minha mãe, pedir-lhe a benção, coisa que só aprendi a reconhecer a beleza nos meus cinqüenta e cinco anos. Mas que bom que pude reconhecer e, então, pedir e receber. A Vida é maravilhosa, cheia de curvas, retas intermináveis, surpreendentes solavancos, calmarias, arrebatamentos e ventos. Tenho medo do Vento, além de que ele me machuca a pele, me dói. Talvez por isso, eu tenha deixado me guiar tanto por ele. Ou não. Vou brincar de Manoel de Barros e vou desinventar o Vento, já que ele faz curva em um lugar tão distante que a gente só ouve falar. Então, posso dizer, sem medo de ser injusto, que o Vento é o que eu inVento. Até porque hoje é meu aniversário e quero brincar.

5 comentários:

  1. Puta que pariu...
    Eu preciso sim de uma agenda. Esse ano eu tenho uma. Ano que vem vai no prazo, mas nesse:
    Parabéns, atrasado, mas cheio de amizade, caboclo
    Pusta abraço...

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  2. Henrique,

    que palavras lindas as suas.
    cheguei aqui e fiquei... te lendo, te percebendo... e, como não poderia deixar de ser : participando do seu aniversário...

    desinvento o fato de sermos desconhecidos e deixo aqui um abraço apertado de longos amigos !

    beijo grande

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  3. que lindo o que escreveu no texto "todo pai é grande"...

    me fez ficar com olhos líquidos....

    beijo

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  4. Querido, feliz aniversário. O ano inteiro.
    Um beijo.
    Mara Cecília

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