Uma dor no ciático atrapalha o sentar. Fico meio de banda, enquanto escrevo, mas apesar da dor, escrevo. E o faço porque preciso. Não sei bem como é isso, só que é uma necessidade... Isso às vezes me dá, como outras precisões. Não chega a ser como comida, por exemplo, mas é imperativo. Quando isso batia, há muito tempo atrás, eu pegava qualquer pedaço de papel, podia ser um guardanapo ou um papel de maço de cigarro, e escrevia. Até hoje guardo poesias de boteco, escritas em balcões tão apressados como sujos e molhados. Também reflexões turvas ou límpidas, turbulentas e profundas ou lentamente frugais. Marcas de café, cortes imprecisos no papel e linhas tortas como as escritas então colorem esses papéis que guardam pensamentos, momentos ou amores completamente esquecidos. Agora, sento na minha pós-moderna Olivetti da Dell e solto os dedos no caderninho organizado e limpo do Word. O segundo dedo da minha mão direita já não tem mais o calinho vermelho que às vezes doía e me fazia pensar na escrita. Não, agora eu digito num silencioso e macio teclado, não tenho que apagar mais nada e, assim, não ficam marcas do que me arrependi de ter escrito. Tudo é efêmero, então não tenho que rabiscar e riscar intensamente o papel até esconder o que me envergonha ou compromete; simplesmente deleto e é como se não tivesse escrito. Estranho isso de não deixar marcas... Será que não ficam mais em lugar algum resquícios do que se escreve e depois se apaga? Nessa virtualidade toda que abriga nossas infinitas caixas postais e fotos e textos e etecéteras não haverá um cantinho pro que foi escrito e censurado? Praquilo de que nos arrependemos, que achamos inadequado, antiquado, ultrapassado, absurdo, feio? Que não queremos que saibam da gente, que pode revelar além da máscara que projetamos? Mesmo que fosse um espaço com acesso super restrito, onde só se entraria com senhas fortes, talvez somente pela percepção do cheiro do autor... Nas antigas cartas, especialmente aquelas escritas em papéis tão leves e finos que se prestavam até mesmo a fins inconfessáveis, ficavam sinais das letras ou palavras escritas e proscritas nos versos dos papéis, como testemunhos teimosos que das janelas vizinhas revelavam os caminhos do pensamento até ali. À contraluz se podia imaginar algo que estivesse ali escrito, fragmentos dos arrependimentos ou tão somente de deslizes ortográficos... Será este mais um sinal do tempo sem-vergonhamente apressado que nos atinge no dia-a-dia com sua velocidade desrespeitosa que contraria os domingos?
Por isso, escrevo como se fosse outro que não eu e compreendo o poeta que eram vários. Só assim escapo desse algoz censor que me poda a língua no que corta das palavras desenhadas pelos dedos. Então, nada deleto ou apago e o que escrevo é esse momento que está acabando de passar. E assim, ele e os outros ficam, eternizam-se sem arrependimento ou condenação.
domingo, 7 de março de 2010
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