quarta-feira, 21 de janeiro de 2009


Eu vou pra Maracangalha, eu vou...
Quando era criança, lá pelos meus 8, 9 anos, passávamos férias no sítio de minha avó. Vó Dolores era também minha madrinha e isso me dava uma certa sensação de superioridade com relação aos primos. Não havia diferença no tratamento, mas tinha o título de afilhado. Só isso bastava.
Recentemente, passei pelo sítio, vendido por ela há mais de 40 anos, que fica às margens da Dutra e parei para dar uma olhada. Era o sítio da vovó, apesar de que parecia menor. Os caminhos por onde andávamos, a distância entre as árvores, o terreiro onde jogávamos aguerridas peladas... Tudo era infinitamente menor do que nas minhas lembranças. Tirei umas fotos e segui viagem, lembrando da primeira bicicleta e dos primeiros tombos de cima dela. O primeiro e único passarinho que matei, para ser igual aos primos e meninos da vizinhança, e da vergonha que senti imediatamente. A sensação de ser um covarde, ao ver aquele serzinho inerte na minha mão, as penas sujas de sangue, a impossibilidade de novos vôos, novos cantos. Lembrei com enorme saudade do Bastião, negro de pernas deformadas que era caseiro do sítio e tocava à noite uns calangos no cavaquinho, afastando a sua solidão e a minha, que temia fantasmas, monstros e ladrões. Havia algumas noites em que uma buzina diferente, potente e com várias notas iluminava a noite com o seu som. Era um caminhão que às vezes víamos no posto de gasolina estacionado pela manhã, quando seu motorista resolvera pernoitar por ali. Algumas noites, ele passava sem parar e buzinava, saudando o pessoal do posto. Nos arredores, na beira da estrada, em baixo de uns eucaliptos, de vez em quando acampavam ciganos e, aí, os mais velhos nos proibiam de perambular por ali sozinhos: eles roubavam crianças, nos diziam.
Quando saíamos do Rio para o sítio, cantávamos, alegres, antecipando os momentos que certamente viriam: eu vou pra Maracangalha, eu vou... Maracangalha era o nome do sítio. Ficou para trás no tempo e continua presente no coração, apesar de que o sítio que parei para ver e que fotografei recentemente (a foto aí de cima), não é mais o mesmo. Tem a casa igual, a mesma varanda, o mesmo desenho do telhado, visto do alto. Árvores desapareceram, umas novas surgiram, mas a verdade é que não estamos mais lá. Não há mais os eucaliptos da beira da estrada, a mata, ao fundo, minha vó, os primos, a algazarra das crianças... Apesar disso, a visão dele me enche de uma alegria saudosa, diferente daquela que nos faz gargalhar. E uma alegria contida por saber que é história. Passou e ficou somente dentro de cada um que a viveu.
Vou viajar daqui a pouco e a sensação é a mesma: uns dias de férias, a despreocupação de um tempo sem as obrigações da vida de adulto, eu vou pra Maracangalha, eu vou...






Um comentário:

  1. Lendo você, senti a saudade sem dor de tempos felizes guardados no coração. Eita sítio bom!

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