quarta-feira, 2 de março de 2011

Bicicletas, oitizeiros, morcegos... e morte

Na bicicleta me sinto feliz. O trânsito insuportável não me incomoda, driblo os carros, atravesso as ruas com cuidado e sem pressa. Sou completamente livre e mesmo os obstáculos comuns do dia a dia das ruas não me afetam: tenho outros caminhos pra trilhar.


Desço uma rua que não sabia ser descida. Pego o vento na contramão, meus pelos todos eriçados denunciam... Sinto uma esperança vaga de nada porvir. É simplesmente uma leveza quanto ao que pode vir à frente. As angústias desaparecem como se tivessem ficado lá de onde vim ou me esperassem lá pra onde vou... O selim macio – um cuidado valioso – é como o tapete voador que me leva a um sonho ou desejo.

As ruas são esburacadas, mas eu desvio de todas as armadilhas. Olho para o asfalto e para o seu horizonte de carros, ônibus e prédios. Na pista, folhas, frutos, sementes, lixo deixam pistas. Hoje, os oitis esmagados pelos pneus dos carros me confirmam que é verão. Tá lá no livro de árvores: “oitis frutificam de janeiro a março”. E todo ano é a mesma coisa: as ruas ficam pintadas, como se fossem ovos que pingassem das árvores e amarelassem o chão. Até a próxima chuva...Algumas amêndoas também caem, mas ainda verdes. São vítimas dos ventos e das tempestades de verão, que não lhes permitiram amadurecer.

Depois de atravessar o túnel, já em Copacabana, vejo um morcego no chão. Sinto uma repulsa imediata, mas a curiosidade me faz dar meia volta e bisbilhotar... Um graveto providencial me permite tocá-lo e constatar: mortinho da silva! Que bom! Não consigo ter outro sentimento por morcegos que não seja de nojo. Conheci uma bióloga há tempos que estudava morcegos e os adorava. Passava a noite com outros doidos armando redes para interceptar os bichos e catalogá-los. Depois, soltavo os monstrinhos e anotava seus dados: peso, comprimento do corpo, largura das asas...Tinha carinho por eles... Pra mim é algo impensável! Aliás, mosquitos, baratas daquelas grandes, são todos bichos que não deviam nem ter lugar na cadeia alimentar! Mas dizem que Deus sabia o que fazia...Sei não. Às vezes, pode ter sido numa hora de sonolência, preguiça, desatenção... Preocupado talvez em aumentar a beleza das mulheres, colocar mais redondeza nas ancas, deixou passar esses monstrengos, quando viu, já era tarde...

Mas fiquei intrigado com o morcego morto. Qual teria sido a causa mortis? Morcego não deve enfartar... Colesterol alto, sedentarismo, tabagismo, stress, não parecem ter a ver com seu mundo. Envenenamento? Terá sido envenenado por sua morcega cega de ciúmes por ele ter dado uns vôos fora do radar? Aliás, antes dessas conjecturas, qual seria o sexo do finado? Não investiguei, dei só uma cutucada no bicho pra ver se ele piscava ou coisa parecida. Constatei o óbito, somente. Vi as asas inteiras, o sorriso vampiresco e nem um movimento de respiração... Mas não olhei as genitálias, nem pensei nisso na hora. Aliás, não imagino como seria o pinto de um morcego ou seu correlato feminino... Ambos devem ser brochantes! E acho que quando passar por lá na volta pra casa, o local já vai estar desfeito. Pois é, nunca saberei... Mais uma pergunta, dentre tantas, sem resposta. Aliás, a morte é danada pra fazer isso, deixar a gente sem resposta. E o pior (ou melhor) é que vamos todos encontrá-la um dia. Mas aí, pelo menos uma de nossas indagações será respondida: como é que é do lado de lá...

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