quarta-feira, 16 de março de 2011

Japão e o Belo Monte que não é o Fuji

 A situação dramática que o Japão atravessa, além de extremamente comovente sob o aspecto humano, deverá ser sensibilizadora para algo mais. Afinal, para isto servem as crises: apontar os descaminhos, os desacertos e provocar mudanças, correções de rumo. A questão que se apresenta agora e que emerge junto com a novamente furiosa sub(e)levação das águas, é a reflexão sobre o uso da energia atômica: pode ser segura a utilização desta forma de energia, pode a tecnologia controlar os tão prováveis como imprevisíveis acidentes, naturais ou não?
A mais rasa discussão a ser feita nesse momento é sobre as matrizes energéticas que devemos utilizar, especialmente aqui no Brasil, onde temos um amplo leque de possibilidades, graças à diversidade e localização de nosso território. O sol, onipresente e farto, sugere uma relativa facilidade de uso de sua energia. Desde a caatinga até o sudeste, enormes áreas poderiam ser beneficiadas se houvesse estímulo à utilização da energia solar. Além dela, os ventos, que em determinadas regiões como o nordeste sugerem uma eterna janela aberta, mostram também como alternativa bastante razoável a utilização da energia eólica. E têm os ventos, também, como característica interessante, o fato de terem uma presença e intensidade maiores nos períodos de estiagem, o que os torna complementares à energia hidrelétrica. Nosso enorme subsolo aqüífero e a rede hidrográfica extensa e fabulosa permitem-nos a exploração da gigantesca força das águas - que agora nos assusta engolindo cidades inteiras mundo afora, afogando milhares de vida e mudando definitivamente a geografia – para a produção da energia de que necessitamos.
No entanto, o buraco é mais embaixo (essa expressão me lembra uma bronca homérica recebida na escola sem saber o porquê, afinal, às vezes eu a ouvia em casa... Hoje, acho que minha professora, dona Terezinha, só pensava naquilo!): estamos discutindo a matriz da energia que devemos produzir, quando tínhamos antes que pensar sobre a quantidade de energia que consumimos. Estamos discutindo a produção e esquecendo o consumo. E esse é o buraco! Será que não gastamos demais? Esse é o desvio de foco: além de discutimos o tipo de energia que devemos explorar e consumir, temos que refletir sobre o quanto realmente necessitamos e podemos consumir. O quanto nossa querida Terrinha suporta...  
Fico pensando no Japão, um país com uma média de 340 habitantes por quilômetro quadrado, cuja produção agrícola e mineral é insuficiente para seu desenvolvimento, que importa 90% da matéria prima e 82% da energia que consome! E me pergunto: será viável uma civilização gastar mais do que produz? Essa extrema dependência externa não sinalizaria que o seu consumo deveria ser menor?
Às vezes, durante o verão caldeirante do Rio, atravesso as ruas passando entre os carros e sinto o enorme calor produzido por eles para que seus passageiros se refrigerem. Ou seja, para gerar o delicioso frescor interno, aquecemos o exterior, graças a um aumentozinho de consumo de combustível... Muitas vezes, para uma só pessoa que, alheia ao calor do lado de fora, segue frescamente rumo ao trabalho, à praia ou à casa. Nestas horas penso se esse padrão de consumo é viável... Certamente que não. E é isso que precisamos rever: o quanto podemos diminuir de consumo.
No momento, está em discussão judicial a construção da usina de Belo Monte, no Xingu. Devemos ou não construí-la? Caso a construamos, devemos fazê-lo da forma como está projetada? Diversas questões devem ser avaliadas, pois além de ser uma usina em condições de produzir grande quantidade de energia para o país, a matriz hídrica é consideravelmente menos poluente em termos de carbono. E, além de, alegam seus defensores, poder trazer desenvolvimento regional, com grande oferta de empregos - ao menos num momento imediato - trará lucros expressivos para as conhecidas empreiteiras nacionais.  O que, aliás, pode ser um enorme problema! Afinal, o olho comprido delas pode contribuir para obscurecer os aspectos a serem discutidos e comprometer um isento julgamento de seus prós e contras. Nosso compromisso tem que ser com a vida. E isto, deve nos fazer respeitar as comunidades ribeirinhas e indígenas, há séculos na região, sem pretender que as necessidades nacionais suplantem as locais.
No entanto, a pergunta que nos devemos fazer e, honestamente, responder é: nosso nível de consumo é sustentável? Será que continuando a gastar o que gastamos hoje da energia estocada no planeta, não estaremos comprometendo definitivamente a vida de nossos descendentes? Será que não podemos viver de uma maneira mais simples? São tantos serás...
E a verdade é que o planeta está chiando, o tempo está passando, e continuamos a tocar a mesma monocórdica canção do desenvolvimento... 

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