O programa Rede Cegonha, recém lançado pelo governo federal, deverá ser instrumento valioso do Ministério da Saúde, não somente no aspecto quantitativo, ao reduzir os altos índices de mortalidade materna no país, mas, também qualitativo, oferecendo às mulheres melhores condições para cuidar da sua gestação. E isto, sem falarmos na previsível consequente redução da mortalidade infantil.
E para que seus objetivos sejam facilitados, o Ministério da Saúde deveria dirigir sua atenção também para a gravidez na adolescência. Esta é uma questão difícil de ser abordada, em função dos múltiplos valores que a cercam. Mesmo no meio médico, há controvérsias quanto à forma de abordá-la. Uns empregam a palavra prevenção, termo usado para doenças na medicina, mesmo não sendo uma enfermidade, pois uma jovem está biologicamente apta a engravidar e dar à luz. No entanto é, reconhecidamente, uma gravidez de risco, o que poderia justificar o termo... Outros já a veem essencialmente como um problema social, pelas dificuldades trazidas à mãe, como a evasão escolar e seus desdobramentos previsíveis, como baixa empregabilidade e diminuição da renda potencial. Isto tudo, se olharmos somente para a mãe. Porque, frequentemente, há conseqüências importantes para o filho, muitas vezes criado pela avó devido à falta de maturidade e condições materiais da mãe para fazê-lo, criando uma verdadeira bola de neve de dificuldades, sejam a nível emocional, sejam a nível material.
Na verdade, muitas meninas veem uma gravidez como perspectiva de maior valorização pessoal. As justas medidas de proteção às gestantes, como garantia de exames pré-natais, consultas agendadas na rede pública, além de outras, como assentos especiais nos meios de transporte e filas diferenciadas em bancos e supermercados, podem representar falsos sinais de uma valorização. Assim, jovens muitas vezes socialmente invisíveis, após engravidarem, passam a ter proteção temporária da sociedade e estado, sentindo-se emocional e materialmente mais seguras. Algo muito sedutor para meninas com baixa auto-estima e poucas perspectivas materiais de ascensão social, pelo menos imediata!
Em palestras ministradas pela ONG Médicos Solidários junto a comunidades desfavorecidas no Rio de Janeiro, onde são estimuladas discussões com os jovens sobre sexualidade, reprodução e planejamento familiar, ouvimos argumentações suscitadoras de reflexão sobre o assunto. Por exemplo, quando da discussão sobre os custos materiais da criação de um bebê, para defender a possibilidade gravidez aos 14, 15 anos, muitas jovens pobres citam expressões vazias como “onde come um, comem dois”, inconsequentes como “minha mãe me ajuda a cuidar”, ou algumas mais assustadoras, como “aí, eu consigo uma bolsa do governo porque não tenho dinheiro...” Não se trata aqui, óbvio, de uma condenação aos projetos de distribuição de renda que tiraram milhões de brasileiros de patamares de renda desumanos. Mas, certamente, a fala dessas meninas deve ser merecedora de atenção.
Um programa como o Rede Cegonha é extremamente bem-vindo, com certeza servindo para minimizar expressivos problemas de Saúde da mulher e da criança. Torçamos somente para que ele seja acompanhado por ações educativas, principalmente dentro das escolas, que ajudem a informar e formar nossos jovens em cidadãos conscientes, com efetivas condições de escolherem seus caminhos.
terça-feira, 29 de março de 2011
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