quarta-feira, 9 de março de 2011

Insônia, Sônia e Creuza

Talvez se fossem penas de cisne que recheassem meu travesseiro, eu conseguisse adormecer novamente. Mas essas penas de ganso velhas e amassadas parecem grasnar nos meus ouvidos e não me deixam dormir. Tem também os mosquitos, que assoviam ao redor da minha cabeça como se fossem aviões de guerra prestes a me bombardear. Isso, sem contar meus próprios zumbidos, que a otorrino disse não terem jeito: “coisas da idade...” Sentença definitiva, perpétua, atestando a infinitude do incômodo.
Penso na hora avançada e me lembro do Waldyr Amaral narrando os clássicos do Maracanã, com sua voz profunda: “o relógio marca...” Milhares de coisas diferentes passam pela cabeça, desconectadas entre si, aparentemente, diria um psicanalista, pois nada do que pensamos ou dizemos não tem ligação entre si... Sei não, às vezes um charuto  significa simplesmente um charuto... E nessa hora, já começo a duvidar de tudo! Pelo menos se em vez desses zumbidos – os meus e os dos insetos voadores – fossem sereias cantando... Ah, eu não hesitaria em levar minha embarcação rumo aos rochedos que me fariam naufragar, afundar... quem sabe lá no fundo, encontrasse Netuno e meu sono... Um psicanalista diria , sem qualquer sombra de dúvida que essa fala tem a ver com útero. Mas não, só quero dormir!
Quando despertei estava sonhando com uma colegamiga de faculdade. Falávamos de livros,  um interesse comum aos dois, ela me mostrava o Kama Sutra e eu, um livro taoísta sobre amor e sexo. Mas não me lembro de ter acordado excitado, apesar do explícito caráter erótico do sonho. Só sei que o sono foi embora, disfarçado em pensamentos do passado, presente, futuro, fantasias, carnaval, escolas de samba, contas pra pagar, filhos, amores, vazios, escuridões e silêncios atormentadores, fantasmas... Penso, então, no Gasparzinho e não consigo deixar de sorrir com a infinita capacidade de fazer gracinhas e besteiras que tem o nosso cérebro. Que mistérios guardamos em nossos tão preciosos miolos? Lembranças modificadas com o tempo, transformadas e coloridas com as cores da nossa fantasia, desejos pintados de sonhos, medos infantis, germes de criações geniais... Caixinha de surpresa sem fundo essa.
Não vou mais conseguir dormir. Agora, então, que levantei e comecei a escrever, já posso dar como finda a minha noite, apesar de ainda não ter dado quatro horas da manhã. Insônia me lembra a Sônia da minha infância, criatura adorável até hoje, amada com toda a minha inocência de então, amor de uma pureza que já não tenho mais. Comparável somente ao amor pelos filhos – essa categoria absolutamente especial que temos em nossa existência, que nos aproxima de deus pela Criação. O amor pelos filhos certamente não tem a inocência do amor de uma criança. Mas tem a potência da Vida: criar, criança, crer...
Essa associação infernal de idéias me faz lembrar da Cris, velha amiga que apelidei de Creuza, com o que nos divertimos muito: mulher de enorme beleza, quando a chamava ou apresentava como Creuza, as pessoas se surpreendiam e diziam que ela não tinha cara de Creuza. Penso agora que, talvez, tivesse cara de deusa, mas não de Creuza. Porque? Não sei... O que é ter cara de uma coisa ou outra?
São tantas indagações e o sono, nada. Mas, pelo menos escrevi um pouco. Como tá cedinho, vou ter um dia comprido pela frente, então encho o olhar de esperança e penso que poderei fazer muita coisa! Mas, que ninguém me ouça: bem que eu podia dormir mais um pouquinho...
  

Um comentário:

  1. Belo texto...insônia sempre rende poesia,às vezes angústia,outras,nostalgia...engraçado,a menção à voz rouca de Waldir Amaral me lembrou os jogos do Mengão,quando ficava agarrada ao radinho de pilha,torcendo( naquela época não tinha pay-pervew,rs...)

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